Okami é, antes da introdução propriamente dita, uma obra injustiçada. Lançado originalmente em 2006 pela extinta Clover Studios, e agora portando alta resolução e sendo republicado pela Capcom, Okami HD é uma remasterização do clássico de ação e aventura que solidifica com quase perfeição a trindade substancial a qualquer jogo: narrativa, jogabilidade e estilo artístico. A penugem cândida, acolhedora e reluzente das asas de sua premissa inocente, emaranhando-se na sua sagaz arte sumi-ê, enlevam em êxtase, com impulsos gloriosos, esse título em regiões angelicais.
Sua ambição criativa abarca uma ótima execução que não encontrou muita ressonância pública e que culminou com a falência do estúdio em questão, mesmo se mostrando uma proposta inovadora. Ainda que tenha sido um fracasso comercial ante outros jogos da época, a contemplação majestosa que essa obra proporciona, considerando-se sua concupiscência em consolidar com riqueza extrema de detalhes a mitologia e cultura japonesas, é de um nirvana extemporâneo e axiomático.
Seu conto, que é orado em tom místico e incrustado com lindas ilustrações, aborda o mundo fictício de Nippon – o próprio Japão (日本) – e o segredo obscuro que abraça a pacata Kamiki Village. Há 100 anos atrás, nessa mesma vila, houve uma atroz e memorável batalha envolvendo duas personalidades importantes para o atual vilarejo: Shiranui, a loba branca misteriosa, e Nagi, um guerreiro local. Orochi, a serpente gigante de oito cabeças que aterrorizava os seus moradores, desta vez, como parte do festival de sacríficio que ocorria anualmente, escolhe a amada de Nagi para se saciar; entretanto, determinado a por um fim definitivo neste ciclo, o guerreiro intervém e irrompe em direção à caverna da besta para salvar seu amor.
Na toca, ele lutou com valentia e brandou bravamente sua espada, mas sua lâmina mal pôde desferir um arranhão no monstro colossal. Então, já estafado e sem esperança, eis que surge Shiranui: a lide tomaria outro rumo. Após uma encarniçada batalha entre a loba e a serpente, portando suas últimas forças e iluminado pela luz do luar, o destemido homem enfraquecido encontra a oportunidade para desferir seu golpe final e consegue, de uma vez por todas, selar a besta e dissipar a maldição que pairava sobre Kamiki Village e suas circunvizinhanças.
Contemporaneamente aos eventos descritos em seu longo prefácio, o selo que mantinha Orochi aprisionado é quebrado, assim, sua presença novamente assola Nippon e esmorece toda sua vida. Diante dessa situação, Sakuya, um espírito guardião da vila, dá vida à loba da lenda para que esta possa destruir a aberração e restaurar a prosperidade sobre essas terras desoladas. Reencarnada como Amaterasu, o objetivo primário da deusa do sol é zelar pelos seres humanos, fauna e flora, além de lidar com o temível ser.
A jornada é extensa e durante seu transcorrer a “bola de pelos” carismática, que é acompanhada por seu irreverente companheiro diminuto, Issun, terá que incessantemente combater demônios, dar vigor à natureza, solucionar quebra-cabeças, moldar o universo e aturar e satisfazer pessoas peculiares. O que mais apaixona na história é seu alívio cômico aliado ao desenvolvimento suficientemente simples proporcionado por personagens pitorescos e saltitantes: uma fração de vulgarismo sempre torna tudo mais divertido.
Partindo-se de conceitos prolegômenos, a mitologia xindoísta e o conjunto de conhecimentos japoneses são fatores evidentes de inspiração em cada pormenor extrínseco. Referências e alusões aos deuses e espíritos preponderantes da nação, engendramento arquitetônico, vestimentas e costumes tradicionais foram fielmente retratados no que parece ser uma verbalização do antigo Japão feudal.
A geografia física compõe ambientes montanhosos e relevos tipicamente irregulares, contendo muitas quedas-d’água e cursos fluviais, assim como planícies e litorais entrecortados por acidentes geográficos; áreas essas que apresentam uma vegetação latente com o seu desabrochar retardado pelas forças malignas. Sua gama animal é vasta: pardais, tigres, macacos, raposas, porcos, ursos, etc; porém, ela é limitada a poucas porções e os animais não interagem com o ambiente nem apresentam muita vida. São exclusivos para o trato alimentar. A trilha sonora é, obviamente, de caráter japonês, composta por instrumentos arcaicos, e exala uma identidade inconfundível e maravilhosa.
A respeito do que se propõe artisticamente, ainda que careça um pouco de precisão, que é a primazia da obra, a jogabilidade e mecânicas entregam dinamismo e esbanjam criatividade: sempre há uma novidade que possivelmente irá ampliar horizontes e preencher a lacuna existente entre algumas atividades, ciclos e ações. Amaterasu possui movimentos ágeis, o que permite não só um combate fluído como também uma boa movimentação e adaptabilidade aos cenários; esta última é possível graças ao uso de um pincel e das técnicas celestiais que vão sendo adquiridas conforme o jogo progride. Parte dessas treze habilidades artísticas são limitadas para um determinado uso, então nem sempre serão úteis para o jogador, mas estão sempre dispostas no nosso arsenal para algum ensejo.
“Ammy” também possui atributos melhoráveis, armas primárias e secundárias e outras facilidades dispostas no menu, logo, nada fica muito vago e não é difícil se guiar, mas é preciso prestar atenção aos diálogos e ter à disposição alguns neurônios para resolver os puzzles. É escusado dizer que uma diversidade incrível de inimigos está presente e todos advêm das já mencionadas influências, contudo, a consistência deles deixa a desejar: poucos adversários realmente são desafiadores e morrer nesse jogo se tornou um vero quase impossível de ser concretizado. Além disso, os famigerados colecionáveis existem e muitos estão escondidos, por ser um mundo aberto, o que exige um grau de exploração modesto, mas o que mais agrega horas de jogatina são as missões secundárias, que são numerosas e um pouco repetitivas.
Okami HD está disponível para PC, Xbox One, Playstation 3, Playstation 4 e Nintendo Switch.
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