Desde sua planificação primordial, como uma produção quase que completamente financiada por voluntários, Narcissu não foi apontado para ser sofisticado. É um romance visual muito básico estrutural e logisticamente. Todavia, sou enfático em afirmar que não estarei enobrecendo uma obra supérflua ao dizer que mesmo através das palavras mais remotas de uma presença indigente se pode extrair até o mais sábio dos oráculos. O trabalho descompromissado da Stage-nana, publicado em 2007, é uma prova concreta dessa filosofia – ou, colocando em termos palpáveis, contemplação inteligente.
A descrição exposta na página oficial nos oferece de maneira obliqua o que potencialmente poderá ser uma experiência melancólica e tragicamente lúgubre: “Essa é uma história de doença e sofrimento; […]”. Para um fluxo e construção plausíveis, posto que não se trata de um tema original, mas bastante delicado e desgastado, ductilizar essa espécie de narrativa é o exercício para um tino vestibular, que levará para cômodos com suas próprias idiossincrasias. Narcissu é proeminente nessa exigência lógica de sucesso.
Teto alto, salão de grande amplitude, parapeitos com flores que farfalham ao se atritarem com o vento que mal consegue escoar através da janelas estreitas, ajudantes condescendentes, transeuntes eventuais, soro fisiológico vertendo de seus cálices em direção às veias enfermas e pijamas confortavelmente frouxos: o andar paliativo. O sétimo e último piso hospitalar, endereçado para os pacientes que, em graus díspares, estão em estágio terminal, é um cenário comum nessa ficção: as duas histórias abordam o comportamento dos protagonistas perante a iminência de um desfecho que parece ser injusto. Elas são lineares, interdependentes e juntas oferecem um tempo de jogo que varia entre 15 a 18 horas.
Sempre realçando um pragmatismo que pontifica as diversas cadências intermitentemente reflexivas, a narrativa é emocionante e transmite tão somente uma profusão de sentimentos, mesmo que tenha um desenvolvimento arrastado. Enquanto afavelmente nutrido, regado e revitalizado por momentos prazerosos, e levemente açoitado pelo sol abrasador de discursos meditáveis – envolvendo fé, desejos, valores, relações humanas, etc -, um enredo sensível germina e dá frutos em meio a uma dicotomia lancinante.
O elementar sistema audiovisual e de gerenciamento do jogo é o resultado de um projeto experimental. Minimalista, limitado e engenhado de forma a tirar o melhor proveito possível de seus recursos, o design é ótimo e não raro tive a impressão genuína de estar lendo um livro. Os fundos de animação estáticos e reciclados, conquanto bem desenhados, a trilha sonora inesquecível, a dublagem rala e as descrições expressivas e minuciosas que estimulam o senso imaginativo: impossível não fazer uma correlação. Só falta uma transição acústica mais suave, porque as músicas sofrem um corte abrupto no intercâmbio de cenas.
Narcissu 1st & 2nd está disponível exclusivamente no PC.
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